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Mari Rodrigues

As pequenas resistências que nos engrandecem

ECOA

15/02/2020 04h00

Esta semana participei de um curso muito legal sobre resistência. E antes que venham me dizer que a universidade está ensinando balbúrdia, o curso era para falar de estudos que estão sendo feitos nesse campo de estudo relativamente novo. A professora, uma brasileira que já mora há muitos anos na Espanha, trouxe um monte de referências para saber o que a universidade tem estudado sobre as resistências abertas, já conhecidas de todo mundo, e as resistências cotidianas, que não são tão evidentes, mas existem.

Essas tais resistências cotidianas me interessaram muito mais, porque têm mais a ver com o que eu escrevo aqui. São estas "pequenas revoluções" que acontecem aqui e acolá que mudam um pouco o mundo em que vivemos. E especialmente quanto ao tema da diversidade, elas fazem um bocado de diferença. Seja aquela piada grosseira da qual a gente não ri, seja aquela correção pronominal que a gente faz, quase tudo na existência de uma pessoa LGBT+ é uma pequena resistência diária.

Há muitas divergências sobre o que pode ou não ser considerado resistência, mas o conceito mais aceito é o de oposição da pessoa subalterna ao poder, nesse sentido o subalterno sendo a pessoa sem voz no jogo do poder. O poder gera resistências, as resistências geram outras resistências, e as resistências geram poder. Como explicar isso de uma forma didática?

Suponhamos que num lugar X, um governante fala que bater no filho homossexual é uma solução para sua homossexualidade, e depois fala mais alguns absurdos, como, tomemos por exemplo, gente bonita deve ser estuprada. Essas falas geram revolta e as pessoas afetadas pelas falas absurdas pedem retratação. Isso é uma resistência. Por algum motivo, a indignação coletiva é tão grande que surgem movimentos auto-organizados e mesmo partidos políticos que por alguma razão ganham as próximas eleições. A resistência gerou poder.

E esse poder gera novas resistências, e ressentimentos por parte dos vencidos. Portanto, temos que deixar bem separados movimentos como o que é pela criminalização da LGBTfobia, que são resistências de grupos historicamente sem voz no poder, e o que é contra uma distópica "ideologia de gênero", que é mera resposta do poder ao fortalecimento da resistência.

Outra lição que tirei deste curso foi que, pelo menos na academia, ainda existe essa dicotomia entre norte e sul, países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Esperamos que as universidades do norte teorizem sobre assuntos que são afetos ao sul, porém esquecemos que nós do sul podemos também ser responsáveis pela produção do conhecimento.

Num contexto em que a ciência tem sido extremamente atacada pela pós-verdade e mesmo pela mentira, temos de mostrar o nosso papel de criadores de nossas próprias histórias e autores de nossas próprias teorias, sem precisar do aval do outro para nos legitimarmos. E isso também é uma resistência. E uma revolução.

Sobre a autora

Estudante de Letras, Mari Rodrigues participa da Frente de Diversidade Sexual e de Gênero da USP. É apaixonada por comida do norte e por reciprocidade nas relações. Ainda está decidindo o que vai fazer com sua vida.

Sobre o blog

Falar de si e falar de um mundo melhor. Como as experiências pessoais de uma pessoa que já enfrentou tanto por ser quem é podem contribuir para que o mundo seja mais diverso e inclusivo?