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Mari Rodrigues

A metáfora do desenho da casa e as nossas noções sobre família

ECOA

30/11/2019 04h00

Participei de uma roda de conversa sobre permanência de pessoas trans na universidade e uma colega fez uma dinâmica muito interessante. Pegou pincel atômico e foi ao quadro branco para começar a desenhar uma casa, e pediu aos presentes que a ajudassem a construir a casa. Após isso, foi feita a discussão da casa e chegamos à conclusão de que a nossa casa desenhada não abarca o modelo de casa atual.

Nem todo mundo tem uma casa bonitinha de desenhos, com dois andares, e telhas de barro. Nem todo mundo tem pés de árvore no quintal. Nem todo mundo tem vista na casa, a não ser para outras casas, também sem quintal. E sem falar das famílias que são representadas nos desenhos. Geralmente são as famosas famílias de comercial de margarina, um homem, uma mulher, um ou dois filhos, e algum cachorro.

Minha intenção aqui não é criticar a família de comercial de margarina. Ela pode funcionar para bastante gente, e isso não é condenável. Porém, "essas novas famílias com terras molhadas com amor", como diria Marina Lima, são pouco consideradas em nossas noções de família. Há famílias que conheço que não têm filhos, mas que têm cachorros. Há famílias com filhos, mas que não têm cachorro. Há famílias de só um pai, ou de só uma mãe. E há famílias de dois pais ou de duas mães, por que não? E por que não falar também das famílias que tem filhos com deficiências, ou famílias com pessoas gordas, ou famílias com pessoas transexuais?

E é justamente aí que é necessária a crítica. Qualquer família que não seja aquela asséptica do comercial de margarina (um homem, uma mulher, alguns filhos e um animal) parece ser abjeta para boa parte da população, e para uns, deve ser eliminada. Acho que o caminho não é esse. Quebrar a noção de "única família possível" é possível. Há várias famílias que seguem o estereótipo que não têm amor. Assim como há famílias de configurações diferentes da "família padrão", onde o amor existe e é multiplicado.

Retomando um outro texto que escrevi sobre o carinho, as relações familiares, independentemente da família em que se está, devem ter o amor como norte. Famílias que se baseiam no ódio e famílias que odeiam outras que são diferentes dificilmente terão um ambiente harmônico e de carinho.

Sobre a autora

Estudante de Letras, Mari Rodrigues participa da Frente de Diversidade Sexual e de Gênero da USP. É apaixonada por comida do norte e por reciprocidade nas relações. Ainda está decidindo o que vai fazer com sua vida.

Sobre o blog

Falar de si e falar de um mundo melhor. Como as experiências pessoais de uma pessoa que já enfrentou tanto por ser quem é podem contribuir para que o mundo seja mais diverso e inclusivo?