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Mari Rodrigues

Sobre os códigos tácitos do “ser LGBT”

ECOA

19/10/2019 08h00

Estava indo encontrar um amigo esses dias e pedi um carro para ir até ele. No meio do caminho, passamos por uma famosa boate gay da cidade e o motorista comentou comigo que havia muitos homens na fila. Foi então que falei a ele sobre a casa e ele ficou surpreso, e começamos uma conversa sobre pessoas que se assumiram homossexuais no círculo social dele.

Um fato curioso aconteceu quando ele falou de uma pessoa específica que, nas palavras dele, nunca deu "sinais" de que era homossexual. E que ele jamais imaginaria que o menino, que ele viu crescer e tudo o mais, estaria com outro homem. Agora, me lembro também de uma vez em que outro amigo, homossexual, me disse que era difícil abordar outros homens em sua faculdade, pois todos "pareciam gays", mas muitos, na verdade, eram heterossexuais.

Sinais de homossexualidade. Parecer gay. O que seria isso? Por que ainda ouvimos que ser homossexual é sinônimo de "dar pinta" para as pessoas? Onde está escrito um código que determina os atributos gestuais, linguísticos e sociais do "ser gay" ou do "ser sapatão"? Essa é uma pergunta que me intriga bastante, porque parece normal para a nossa sociedade determinar a sexualidade de uma pessoa com base nesses critérios. E mais intrigante ainda é que esses códigos tácitos, quando quebrados, geram confusão e discussão, de todos os lados.

Para mim, isso parece um critério de julgamento sobre a capacidade da pessoa. Porque, ah, se a pessoa age de determinado jeito que se julga ser homossexual, há aí um juízo de valor que pode ser positivo ou negativo. Em nossa sociedade, geralmente negativo, apesar de tudo o que já foi conquistado nos últimos anos.  Existem movimentos de pessoas que acreditam que a discrição é o melhor para uma "aceitação" da sociedade. E outros que defendem o "dar pinta" como sinônimo de "resistência" ao preconceito social contra as pessoas LGBT.

Há méritos e críticas para as duas posições. Prefiro acreditar que se a pessoa está bem vivendo com uma "discrição" dita heteronormativa, não há porque exigir dela trejeitos que não a representam; da mesma forma, se uma pessoa gosta de "dar pinta" e com isso ela está bem, exigir dela um comportamento mais discreto no dia-a-dia pode ser um ato violento.

E aí chegamos na questão da heteronormatividade; ela que determina quem será respeitado ou não na nossa sociedade. Ela que violenta os corpos colocando-os em caixinhas e reprimindo os desejos, em nome de uma vivência asséptica e controlável. Será que vivemos bem com esses papéis em que a pessoa que "não parece" homossexual vive com medo dos julgamentos de todos os lados, e em que a pessoa que "parece muito" homossexual também vive com medo da violência de todos os lados? Fica o questionamento.

Sobre a autora

Estudante de Letras, Mari Rodrigues participa da Frente de Diversidade Sexual e de Gênero da USP. É apaixonada por comida do norte e por reciprocidade nas relações. Ainda está decidindo o que vai fazer com sua vida.

Sobre o blog

Falar de si e falar de um mundo melhor. Como as experiências pessoais de uma pessoa que já enfrentou tanto por ser quem é podem contribuir para que o mundo seja mais diverso e inclusivo?