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Mari Rodrigues

Colocar-se no lugar do outro: um exercício necessário

ECOA

12/10/2019 07h00

Uma das reclamações que tenho ouvido com maior frequência de alguns membros de movimentos LGBT é sobre o caráter elitista e higienista de certa parte da militância. Encasteladas em seus bairros de classe média e alta, algumas pessoas que têm a capacidade de fazer alguma coisa pelo bem da nossa comunidade o fazem sem pensar na situação daqueles que sofrem vulnerabilidades maiores.

Devo me considerar uma pessoa privilegiada: estudante universitária, com um emprego estável, uma moradia fixa no centro de São Paulo e apoio familiar, passo por muito menos situações constrangedoras que outras meninas que moram na rua, sem o apoio parental, sem o mínimo de instrução escolar, sem emprego fixo e compelidas a se prostituir. Obviamente não posso falar por todas elas, mas sinto que elas têm muito a contar sobre os seus anseios e suas dores.

Este exercício de se colocar no lugar do outro que tem menos voz que a gente na sociedade ou, pior, que sequer tem voz nela deveria ser praticado sempre, em especial nos espaços de resistência ao retrocesso, que vem e não dá trégua. É muito bom ocupar espaços que até pouco tempo atrás estavam restritos às pessoas convencionadas "normais" da sociedade, porém há aqueles que ainda não o conseguem, por uma série de razões.

Não se pode dizer que pessoas em situação de rua, invisibilizadas, marginalizadas, com toda a sorte de problemas psiquiátricos, não fazem a sua parte porque não querem. Negado o seu direito à saúde e (por que não?) à cidade e aos direitos mais básicos de humanidade, essas pessoas lutam à sua maneira, talvez de uma forma que, para as pessoas que têm esses direitos, possa soar agressiva, porém ainda assim é uma forma de resistência.

Estamos acompanhando um recrudescimento das relações humanas no dia a dia: cada vez mais a violência é uma regra nas interações com o outro, seja nas redes sociais, na rua, ou mesmo nos espaços de resistência. Esse elo de humanidade está fragilizado, e cabe a nós entender que, estando do mesmo lado, nós podemos formar uma rede de resistência cada vez melhor e mais plural, que não deixa ninguém de lado.

Sobre a autora

Estudante de Letras, Mari Rodrigues participa da Frente de Diversidade Sexual e de Gênero da USP. É apaixonada por comida do norte e por reciprocidade nas relações. Ainda está decidindo o que vai fazer com sua vida.

Sobre o blog

Falar de si e falar de um mundo melhor. Como as experiências pessoais de uma pessoa que já enfrentou tanto por ser quem é podem contribuir para que o mundo seja mais diverso e inclusivo?