Topo

Mari Rodrigues

Qual é o seu carinho?

ECOA

04/10/2019 09h55

Recentemente fui convidada para discursar numa mesa de debates sobre permanência de pessoas LGBT na universidade. Fui com minha mãe. Apenas disse a ela que iríamos a um evento, sem adiantar o seu conteúdo. Ela foi às cegas. Somente lá, já no local, que ela percebeu do que se tratava o evento, e perguntei o que ela achava. Minha mãe me disse que apoiava as nossas lutas, e isso foi de uma lucidez incrível. Ali percebi que ela, evangélica, tinha percebido plenamente a mensagem de amor pregada pelo deus que segue.

Ali também ouvi depoimentos emocionantes de pessoas que foram negadas por suas famílias e por seus ambientes escolares apenas por ousarem ser quem eram. E me pergunto como deve ser a vida dessas pessoas que não tiveram o acolhimento de seus familiares, e mais, como esses familiares, amargurados em seus preconceitos, não entenderam as mensagens de amor de seus deuses.

Ainda que tenhamos críticas sobre como a família é representada hoje, uma mínima estrutura familiar saudável é importante para um bom desenvolvimento da pessoa. E quando ela não é saudável, o que fazer? A gente procura um apoio, qualquer que seja. Como me disse um amigo recentemente, em ocasiões como essas, essas novas famílias adquiridas se formam na dor, na dificuldade advinda do não apoio da família de sangue.

E elas têm suas alegrias e suas tristezas. O nosso afã por atenção e cuidado nos faz aceitar algumas amizades que não nos somam e ainda nos diminuem. Quando estamos fragilizados, é difícil perceber quem quer nosso bem de verdade e quem só quer sugar a nossa energia. Só o tempo nos faz criar este filtro para as amizades e para os amores, e assim criamos um círculo de carinho mais qualificado.

Carinho. Acho que essa é a palavra. A gente está sempre à procura de carinho, seja no seio familiar, seja em outros braços, de amigos, de amores, de contatos casuais, que seja. Procuramos constantemente lugares que nos dão carinho, mas será que esses lugares são os mais adequados? Ou será que esses lugares foram os que nos aceitaram? Fica a reflexão.

Talvez o mundo precise de mais aceitação, acolhimento e carinho verdadeiros, para que possa sentir mais carinho pelo outro, pelo diferente de si, para que possa se sentir verdadeiramente numa comunidade. Como construímos isso? Talvez ouvindo os nossos semelhantes (e os nossos diferentes também, por que não?), prestando atenção às mensagens de amor daquilo em que acreditamos.

Sobre a autora

Estudante de Letras, Mari Rodrigues participa da Frente de Diversidade Sexual e de Gênero da USP. É apaixonada por comida do norte e por reciprocidade nas relações. Ainda está decidindo o que vai fazer com sua vida.

Sobre o blog

Falar de si e falar de um mundo melhor. Como as experiências pessoais de uma pessoa que já enfrentou tanto por ser quem é podem contribuir para que o mundo seja mais diverso e inclusivo?